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Violência cresce na Amazônia rural em meio a bagunça burocrática sobre títulos de terra


Para um agricultor na Amazônia brasileira, Manoel Freire Camurca estava indo bem até que teve a sua casa queimada e seus campos tomados por um "poderoso" local. O despejo de Camurca, oito meses atrás, aconteceu enquanto autoridades finalizavam sua reivindicação de 500 hectares de terras no sudoeste do Amazonas, onde passou cerca de três décadas produzido milho, açúcar e feijão.

"Eu perdi tudo", disse Camurca, de 61 anos, à Thomson Reuters Foundation, limpando lágrimas. "Eu fui à cidade e quando voltei tudo estava queimado e destruído."

Meia dúzia de outros pequenos agricultores no vilarejo sofreram a mesma coisa depois de um grande agricultor dizer que era o dono da terra.

A história de Camurca expõe um ascendente ambiente violento em parte do Brasil rural, que autoridades do governo dizem estar cheia de títulos de propriedade que não estão claros, corrupção e um sistema onde agências estatais concorrentes trabalham na regularização de terras.


Morte no interior do país


Ao menos 36 pessoas morreram em conflitos de terra nos primeiros cinco meses deste ano, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra no Brasil. Uma autoridade disse que 2017 tem sido o ano mais violento em conflitos por terras neste século.

"Os conflitos por terra na Amazônia pioraram", disse Ronaldo Santos, servidor do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão governamental responsável pelo gerenciamento e demarcação de terras rurais.

"Operadores de grandes fazendas têm força para espalhar injustiças", disse Santos à Thomson Reuters Foundation, em um encontro com centenas de nervosos fazendeiros envolvidos em conflitos de terras no Amazonas.

"Temos assassinatos e morte no interior do país"


Título conflituosos


A violência recente levou autoridades de diferentes agências governamentais e cartórios a culparem uns aos outros pelos conflitos. No Brasil, as terras devem ser registradas nos cartórios, que mantém os registros de propriedade e transferem ações em regiões específicas. Não há um sistema centralizado para checar quem é dono do quê.

Herdados dos colonialistas portugueses, o sistema de cartório é confuso e largamente violado por proprietários ricos de terras, disseram autoridades à Thomson Reuters Foundation.

Eles afirmam que a propriedade pouco clara facilita para grandes agricultores desalojarem os pequenos como Camurca.

"Os cartórios têm a responsabilidade pela legalização da grilagem", disse Miguel Emile, funcionário do Terra Legal, programa do governo para regularizar títulos de propriedade de pequenos agricultores na Amazônia.

Um estudo canadense de 2016 estima que existam 5 milhões de famílias de sem terra no Brasil. Funcionários do governo dizem que estão trabalhando para acelerar as atribuições de propriedade para pessoas pobres da zona rural que vivem em terras das quais não são formalmente proprietários.

Mas, mesmo terras já demarcadas e distribúidas pelo Incra e pelo Terra Legal devem ser registradas em cartólio para serem totalmente legalizadas, disse Emile.

Pequenos agricultores muitas vezes não conseguem pagar serviços cartorários, disse ele, e o próprio sistema enfrenta abusos. Fazendeiros ricos podem subornar cartórios para registrar a terra de outro, disse Emile à Thomson Reuters Foundation.

Um golpe comum é o de comprar legalmente uma pequena porção de terra e registrar no cartório uma área bem maior, disse ele.

Como resultado desse tipo de fraude, no Pará, quatro vezes mais terras estão registradas como propriedade privada do que a área total do Estado, disse Jeremy Campbell, um especialista em registro de terras no Brasil da Roger Williams University, nos Estados Unidos.


Trocando culpas


Os cartórios, contudo, dizem não ser responsáveis pela maior parte do problema, culpando agências do governo pelos frágeis direitos de propriedade na Amazônia e sua resultante violência.

"A grilagem não é feita pelos cartórios", disse o representante de um cartório no Amazônas, sob a condição de anonimato.

Seu escritório, responsável por manter registros de propriedade no local, está cheio de livros de escrituras amarelados junto com alguns documentos digitalizados.

A corrupção em agências do governo, incluindo o Incra, é a principal responsável pelos golpes com terras, disse o representante do cartório, já que proprietários podem subornar funcionários.

O governo está se movimentando para georeferenciar novos registros de propriedades, em que a terra é digitalmente registrada por meio mapas de satélite, mas esse processo tem sido lento, acrescentou.


Provando a propriedade


Despejos forçados no vilarejo de Camurca, Bom Lugar, no município de Boca do Acre, exemplificam os problemas do sistema de propriedades rurais do Brasil.

O Incra concedeu a Camurca um certificado conhecido como título de posse. Mas o agricultor disse que não pode registrar o documento como um título formal em um cartório enquanto o processo de demarcação da propriedade não estiver finalizado.

Significa que, a despeito de uma agência do governo garantir a ele os direitos sobre a terra onde vive desde 1988, ele ainda não pode se apossar dela formalmente.

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